Comentário Teológico Expandido – Assembleia de Jerusalém (Atos 15)
1. Introdução histórica e teológica
A chamada Assembleia de Jerusalém foi o primeiro concílio da Igreja Cristã, ocorrido por volta do ano 49 d.C., e registrado em Atos 15. Este evento é fundamental para entendermos a identidade da Igreja e sua missão no mundo. A questão central não era apenas se os gentios podiam ser salvos, mas como eles seriam salvos: pela graça de Cristo ou pela observância da Lei de Moisés.
Esse conflito representava uma encruzilhada histórica. Se prevalecesse a visão dos judaizantes (cristãos de origem farisaica que defendiam a circuncisão e a lei como obrigatórias), o cristianismo seria reduzido a uma seita dentro do judaísmo. Contudo, ao reafirmar a graça de Cristo como suficiente para a salvação, a Igreja consolidou sua vocação universal.
2. A questão doutrinária (At 15.1–5)
O problema nasceu em Antioquia, centro missionário do cristianismo gentílico, após a primeira viagem missionária de Paulo e Barnabé (At 14.27).
Os judaizantes afirmavam que a fé em Cristo era necessária, mas não suficiente. Para eles, a salvação exigia circuncisão e submissão à lei mosaica (At 15.1,5).
Essa posição equivalia a reconstruir o muro de separação derrubado por Cristo (Ef 2.14–16) e a negar a suficiência da cruz (Gl 2.16).
O perigo do legalismo surge aqui com força: transformar a graça em complemento da lei, quando na verdade Cristo é o cumprimento da lei (Rm 10.4).
3. O debate doutrinário (At 15.6–21)
Reunidos em Jerusalém, os apóstolos e anciãos debateram com profundidade a questão. Três figuras centrais se destacam:
a) Pedro
Ele relembrou a experiência de Cornélio (At 10), mostrando que Deus concedeu o Espírito Santo aos gentios sem exigir a circuncisão (At 15.8–9).
👉 Teologia prática: a experiência espiritual dos gentios confirmava a suficiência da fé em Cristo.
b) Paulo e Barnabé
Relataram os sinais e milagres entre os gentios, mostrando que Deus aprovava a inclusão deles sem as obras da lei (At 15.12).
👉 Teologia missional: o Evangelho é poder de Deus para judeus e gentios (Rm 1.16).
c) Tiago
Recorreu às Escrituras (Am 9.11–12; Is 49.6) para demonstrar que os profetas já anunciavam a inclusão dos gentios no povo de Deus (At 15.13–18).
👉 Teologia bíblica: a Palavra confirma que a Igreja é o cumprimento das promessas messiânicas.
O equilíbrio entre experiência do Espírito e fundamentação bíblica foi decisivo. Assim, a Igreja discerniu a voz de Deus unindo prática, testemunho e Escritura.
4. A decisão final (At 15.22–29)
A resolução da Assembleia foi registrada e enviada em forma de carta às igrejas.
A salvação é pela graça, mediante a fé em Cristo, sem as obras da lei (Ef 2.8–9).
Não se exigiu a circuncisão nem a observância da lei mosaica.
Foram recomendadas quatro práticas (At 15.29) para preservar a comunhão entre judeus e gentios:
1. Abster-se das comidas sacrificadas a ídolos;
2. Abster-se da imoralidade sexual;
3. Não comer carne de animais estrangulados;
4. Não consumir sangue.
Essas restrições não eram requisitos de salvação, mas orientações prudenciais para evitar escândalos e preservar a unidade da Igreja.
5. O papel do Espírito Santo (At 15.28)
A decisão foi reconhecida como fruto da direção do Espírito Santo: “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós...”
Isso mostra que o Espírito não é uma doutrina abstrata, mas pessoa ativa na condução da Igreja.
A presença de profetas (At 15.32) indica que a orientação vinha por meio dos dons espirituais, confirmados pela Escritura e pela unidade da liderança.
O modelo é claro: a Igreja deve ser submissa à Palavra e sensível ao Espírito.
6. Implicações teológicas e práticas
A Assembleia de Jerusalém estabeleceu princípios que permanecem atuais:
1. Contra o legalismo: não podemos adicionar exigências humanas à salvação.
2. Centralidade da graça: a salvação é obra exclusiva de Cristo, não resultado de méritos humanos.
3. Unidade na diversidade: a Igreja acolhe pessoas de todas as culturas, respeitando diferenças sem abrir mão da verdade.
4. Discernimento espiritual: experiências devem ser confirmadas pela Escritura.
5. Conciliação e diálogo: diante de conflitos doutrinários, a Igreja deve buscar soluções em colegiado, guiada pelo Espírito.
7. Conclusão
A Assembleia de Jerusalém foi um marco decisivo na história da Igreja. Diante de uma crise que poderia fragmentar a fé cristã, a liderança buscou a orientação do Espírito, fundamentou-se nas Escrituras e preservou a unidade do corpo de Cristo.
O resultado foi uma decisão bíblica, espiritual e pastoral, reafirmando a pureza do Evangelho e garantindo que a Igreja se mantivesse aberta a todas as nações.
 
